Problematização

15/06/2014 16:11
Cultivam, em consciência, nossa predisposição à criação ou nos tratam apenas como criaturas unicamente suscetíveis de adestramento? Esse problema é tão importante quanto qualquer problema social; em verdade, é o mais importante pois, em fim de contas, os problemas sociais repousam sobre essa base. Se temos valor, realizaremos coisa de valor: se cada um de nós é perfeito em si, a sociedade e a vida social serão, elas também, perfeitas. O que importa, portanto, de início, é o que fizeram de nós na idade em que ainda somos maleáveis; o problema escolar é um problema vital.
Max Stirner

 

Muito embora Max Stirner permaneça escondido nas universidades, ou pelo menos ausente nas pesquisas acadêmicas, este pensador deveria ser ponto de referência para estudarmos os processos socializantes na atualidade que no mundo as pessoas se apresentam. Alemão, contemporâneo de Karl Marx, seu amigo de faculdade e, portanto de taberna, escreveu apenas um livro, que tem o título traduzido para o português como “O Único e sua Propriedade”. E nela, publicado antes que Marx o fizesse com a sua principal obra “O Capital”, que para muitos eruditos como contestação das ideias de Stirner, apresenta uma construção de sujeito totalmente independente, ou seja, o único é cada um de nós, individualmente constituído, porém, totalmente proprietário de si no mundo. Tido como filósofo do egoísmo, não foi estudado com o devido respeito que suas proposições merecem. Mas é claro que não foi apenas isso, pois, a princípio seu livro foi censurado na Alemanha e retirado de circulação e um tempo depois voltou a circular, mas não com tempo suficiente para que Stirner ampliasse seu pensamento, uma vez que morreu logo após essas ocorrências.
Mas o que um texto escrito no século XIX, por um pensador pouco expressivo no universo acadêmico, tem a ver com a escola do século XXI?
Tudo, pois, como reprodutora do processo histórico hominizante, a escola se assenta nesse pressuposto histórico de construção do indivíduo com a finalidade de, de fato, tornar seus frequentadores seres humanos. A concepção de indivíduo que trago é não difere daquela apresentada por muitos pensadores, entre eles Kant, ou seja, um sujeito independente e autônomo, construtor de sua própria identidade. E é nesta instituição socializante que está o aluno como postulante a um lugar para ele estabelecido, ou como sujeito invisível ao sistema ou ponto de convergência entre o real e o imaginado.
Numa instituição assim estabelecida, ou seja, o ideal e o real, as posições perdem bastante de seu significado. A escola deixou de ser uma instituição repressora no sentido real, muito embora continue no sentido simbólico, e passou a ser um lugar de encontro, de relações sociais muito mais que antes. A interação não é mais da pessoa com o conteúdo a ser apreendido, mas sim, de pessoas com outras pessoas. A escola e um clube social se confundem, muito mais que a casa e a escola, pois os pais não são tão presentes como há tempos. A diferença de idade, e o estabelecimento de uma relação de respeito entre os mais jovens para com os mais velhos, da forma como as escolas são estabelecidas, deixou de existir e o mesmo acontece nas casas.
Assisti a um café filosófico, exibido aos domingos na tevê Cultura, com a psicologia Roseli Saião no qual ela abordava exatamente este ponto, o de não existir mais diferenças físicas, que seja bem marcado e, portanto, não se percebe mais esta diferença entre jovens e velhos, entre crianças e jovens. Assim, simbolicamente, nos apresentamos todos como se tivéssemos na mesma faixa, fruto das bem aventuranças da indústria cultural, paulatinamente, pós década de 1980 foi acatada por todos, mas, principalmente, pelos que já passam dos 30 anos de idade. Com isso o professor, a professora que usa a mesma roupa que a do adolescente, não é alguém mais velho, mais experiente, com saber comprovado, mas sim, igual a ele.
Outro ponto que se observa na escola, está na diferença de posições, de espaços ocupados, principalmente no que diz respeito a autoridade que a equipe de gestão exerce sobre o aluno e a do professor na sala de aula. Essa autoridade sé dá, em primeira instância, pela ausência de contato, pelo simples espaço que os primeiros ocupam, ou seja, os seus gabinetes, pois:
 
Quando um indivíduo passa a uma nova posição na sociedade e consegue um novo papel a desempenhar, provavelmente não será informado, com todos os detalhes, sobre o modo como deverá se conduzir, nem os fatos de nova situação o pressionarão suficientemente de início para determinar-lhe a conduta, sem que tenha posteriormente de refletir sobre ela. (...) O indivíduo já deverá ter uma ideia clara da aparência, da modéstia, deferência e justa indignação, e pode tomar liberdades em desempenhar essas “pontas” quando necessário. Pode até ser capaz até de representar o papel de um indivíduo hipnotizado ou cometer algum crime “compulsório”, baseado em modelos de tais atividades, com as quais já está familiarizado. (GOFFMAN, 2009. p.72-73)
 
Observa-se, portanto, em toda a sociedade o simbolismo dos espaços ocupados. De forma geral, no que se refere à escola, não é diferente das empresas, bancos, prestadores de serviços públicos etc. Na verdade, quando fiz uma simples pesquisa com os alunos, eles não percebem a escola como uma prestadora de serviço público, tal qual se faz em um posto de saúde, nos diversos departamentos de uma prefeitura etc. Some-se a isso, o posicionamento dos alunos sobre a atividade escolar, pois, como me referi, eles não estudam pelo prazer de aprender, pelas descobertas de coisas novas, são na verdade, estimulados a estudar para fazer exames, ou seja, gerar provas daquilo que apreenderam. Isso demonstra que a mentalidade escolar ainda está no tempo antigo.
Com base nisso, pode-se afirma que a avaliação é aplicada como parâmetro para avanço ou permanência durante a realização do Processo Educacional. Assim, o “vigiar e punir” percebido por Foucault é praticado na sua plenitude. Deste modo, a avaliação não é o da averiguação de um processo do ensino em relação à aprendizagem, pois se erram muito no exame, é prova de que não aprenderam, ou melhor, não apreenderam e com o resultado, com relação ao processo, nada é feito. O que se faz na verdade é uma segunda prova, segunda chance, para se apontar no boletim uma pontuação insatisfatória e se incrementa o discurso de que a reprovação é o melhor incentivo ao estudo, porém:
 
Avaliar em educação supõe obter uma série de informações em relação à qualidade ou à eficiência de uma ação educativa e não uma valorização a respeito. A emissão desse juízo de valor, baseado no contraste entre as informações obtidas e alguns critérios de referência é, sem dúvida, o elemento distintivo da avaliação. No entanto, a avaliação não se esgota nesse elemento. Ela também se caracteriza pela utilização, em algum sentido, do juízo emitido: não só avaliamos algo, mas avaliamos para algo. Em outros termos, a avaliação inclui sempre um componente de tomada de decisões, de atuação a partir da valoração emitida. (in: COLL et all, 2003. p.144)
 
E também:
 
A distinção entre a função pedagógica e a função social da avaliação remete a dois grandes tipos de decisões a serviço dos quais pode estar a avaliação das aprendizagens dos alunos (Coll e Martín, 1996). Por um lado, a avaliação pode estar a serviço de decisões de ordem pedagógica, ou seja, pode ser utilizada de uma maneira mais racional e eficaz nas atividades de ensino e aprendizagem, tratando de melhorá-las. Por outro lado, pode estar a serviço de decisões de ordem social, isto é, pode ser utilizada para creditar perante a sociedade de que as aprendizagens realizadas pelos alunos os capacitam para o desempenho de determinadas atividades e tarefas mais além do contexto escolar que ocorre o ensino. (Ibidem)
 
Entretanto, neste momento brasileiro, a educação básica acontece na vida dos sujeitos por um tempo determinado, obrigatório dos quatro aos dezoito anos impreterivelmente. De fato, existe um plano a ser cumprido no qual a aprendizagem é relativizada, com isso, e é isso que esta se diferencia da antiga escola, pois ela deixou de se tratar de um repertório de conteúdo estabelecido e enquanto não se apreendia satisfatoriamente não passava adiante. Com efeito, não existe uma ação pedagógica na prática escolar que tenha relação com a progressão sistemática do mais simples ao mais complexo, da parte ao todo e quando o resultado está muito abaixo do esperado, não se investe na melhoria da aula, da comunicação, na solução das causas, mas sim, modifica-se a avaliação ou amplia-se o processo avaliativo para que aumente a nota dos alunos sem a necessidade do saber efetivado.
Assim, confunde-se progressão continuada com a progressão automática pela falta de uma prática didático-pedagógica que privilegie a aprendizagem independente do tipo de progressão que se estabeleça no Processo Educacional. A progressão aqui referida tem a ver com a Lei 9394/96, denominada “Darci Ribeiro”, promulgada em 20 de dezembro de 1996. Com isso, a referida lei, na verdade, amplia o projeto de escola iniciada em 1971, minimizando os conteúdos e dando início, para consolidar o que assevera a Constituição de 1988, ao trabalho escolar que visa o desenvolvimento de competências e habilidades, ou seja:
 
O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidades de trabalho e, consequentemente, de produção. A educação passa a constituir-se num dos fatores fundamentais para explicar economicamente as diferenças de capacidades de trabalho, e, consequentemente, as diferenças de produtividade e renda. (FRIGOTTO, 1993, p.40, apud TAVARES, 2002)
 
Esse tratamento didático-pedagógico, com base em um discurso fundado na isonomia, está muito mais segregando do que agregando. E as teorias com base nessa proposta se ampliaram desde então, pois, ao se ler o livro de Perrenoud, um dos teóricos da educação mais usados na fundamentação teórica do Processo Educacional hoje, fica claro a necessidade de se desenvolver uma pedagogia diferenciada em uma mesma classe (PERRENOUD, 2000). Uma ótima teoria, porém, com muita dificuldade de ser praticada, principalmente pelo espaço e contingente que o Processo Educacional impõe ás escolas.
Facilmente verificável, as salas de aula no Estado de São Paulo – em algumas cidades mais e noutras menos – estão lotadas, somam-se, em média 40 alunos, contra 20 ou menos em outros países como a Espanha, a França, a Alemanha, por exemplo. Essa condição de superlotação impossibilita qualquer teoria voltada para o bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Como escrevi antes, a atualidade impõe nova abordagem, novos investimentos, mesmo com conteúdos historicamente obrigatórios, por isso precisamos estar antenados, atualizados e buscar essa significação a todo custo se quisermos melhorar o Processo Educacional. Isso tem a ver com os espaços, ou seja, a estrutura física dos estabelecimentos de ensino, assim, deve-se montar classes mais homogêneas, com base na equidade para que se estabeleça a escola como uma instituição de inclusão com vistas à igualdade ao final dos processos. Com isso, será possível para os professores, professoras estabelecerem planejamentos diferentes, para diferentes necessidades.
Nas atuais salas de aula montadas com base no pseudodiscurso da igualdade, perde-se de vista o tempo em que a aprendizagem se efetiva em cada aluno, e esse fator gera vários tipos de comportamento. Deste modo, enquanto alguns alunos dormem, enquanto outros não param de falar e outros ainda exibem um olhar perdido. Eis alguns dos muitos alunos que presenciamos diariamente em nossa atividade profissional.
Mas como enfatizei anteriormente, esses tipos de comportamentos gerados na sala de aula e que muito prejudica a aprendizagem do todo, não é sua causa, mas sintoma de um problema maior. Vejamos algumas razões possíveis:
 
ü  O aluno que já está cansado da repetição da explicação feita para aqueles que ainda não entenderam;
ü  Por não estar entendendo nada do que está sendo estudado;
ü  O barulho na sala de aula;
 
Com tanta heterogeneidade no mesmo espaço, torna-se impossível a aprendizagem conjunta, entretanto, como já salientei, deve-se ter em mente que a escola é feita para um determinado tempo na vida do sujeito, pois:
 
Às vezes, (o sujeito), agirá de maneira completamente calculada, expressando-se de determinada forma somente para dar aos outros o tipo de impressão que irá provavelmente levá-los a uma resposta específica que lhe interessa obter. Outras vezes, o indivíduo estará agindo calculadamente, mas terá, em termos relativos, pouca consciência de estar procedendo assim. Ocasionalmente, irá se expressar intencional e conscientemente de determinada forma, mas, principalmente, porque a tradição de seu grupo ou posição social requer este tipo de expressão, e não por causa de qualquer resposta particular (que não a de vaga aceitação ou reprovação), que provavelmente seja despertada naqueles que foram impressionados pela expressão. Outras vezes as tradições de um papel pessoal poderão levá-lo a dar uma impressão deliberada de determinada espécie e, contudo, é possível que não tenha, nem consciente nem inconscientemente, a intenção de criar tal impressão. (GOFFMAN, 2009. p.15-16)
 
Normalmente, na sala de aula os professores, de modo geral, apontam para um, dois ou três alunos como responsáveis pela bagunça e, portanto, pelo fracasso de toda classe no processo ensino-aprendizagem. Assim, a falta de atenção, de não fazem as atividades, de não ficarem em seus lugares, entre outras, está como causa quando, na verdade, são sintomas de que existe um problema sério. Porém, tanto faz se a causa vem a partir de sua casa, do relacionamento familiar – claro que esse comportamento é visto com mais ênfase na escola e por esse fato que enfatizo o comportamento como sintoma –, então essa é a causa, portanto, deve ser apurada com acuidade e trabalhada para ser solucionada.
O que se deve ter em conta é que o aluno no interior do espaço escolar é responsabilidade do Estado com a colaboração da família. Pois, pela letra da Lei, o que acontece em casa com as crianças, também é de responsabilidade do Estado.
Porém, o descaso é geral, pune-se a criança para atingir os pais, ou os pais para tingir as crianças. Pense por um instante; no caso de se suspender a criança ela fica em casa e por um breve período de tempo, não causa problema na sala de aula, mas ela volta, e volta mais revoltada pelo fato de isso significar abandono, pois ela não foi, também, atendida, ou seja, compreendida na escola e, por isso, passa a causar ainda mais problemas e toma lá que o filho é seu, vai até o momento em que uma das partes se cansa e transfere o problema para outra unidade escolar. Ora, isso não impede, não atrasa a aplicação das metas estabelecidas no planejamento escolar, mas causa um distúrbio que prejudica a todos no Processo Ensino-Aprendizagem.
Independente das teorias (Libâneo, 1996; Sander, 1984; Luckesi, 1993; Torres, 1997 entre outros) adotadas no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, esses sintomas ainda são percebidas, quando são, como causa do fracasso escolar.
Quanto aos saberes, em relação ao que acabei de expor, para que sejam desenvolvidos plenamente pelos alunos, obrigatoriamente precisa ser oferecido de modo que se constitua em valor prático e, com isso, seja possível ao aluno construir um sentido, ou pelo menos, certo significado relativo ao seu cotidiano. Qualquer tentativa de ensino que não cumpra esse papel primordial na vida de um sujeito, tende a afastá-lo do processo pelo desinteresse, assim:
 
Os apoios e os recursos que permitem a construção progressiva de sistemas de significados compartilhados cada vez mais amplos, ricos e complexos entre professo e alunos relacionam-se com determinadas formas de uso da fala de um e de outro; ou, para falar com maior precisão, com determinadas formas de mediação semiótica implicadas em tais usos. Estamos, pois, em presença de mecanismos de influência educativa que têm sua base na potencialidade da linguagem como instrumento capas de representar de maneiras distintas a experiência, os objetos, os acontecimentos e as situações, bem como de intersubjetividade na comunicação entre professor e aluno, isto é, de compartilhar em diferentes graus a representação da experiência, dos objetos, dos acontecimentos ou das situações em torno das quais se articula a atividade conjunta (Wersch, 1984, 1988; Newman, Griffin e Cole,1991). (COLL et all, 2003. p.31)
 
Já nos cursos superiores os alunos apenas abandonam por descobrirem durante o processo, que não era bem aquilo que eles queriam como profissão, mas na educação básica, obrigatória até os 18 anos, a história é outra. Obrigados, todos têm que permanecer até sua conclusão, mesmo que de forma intermitente, e por isso demonstram descaso.
Portanto, não se deve ignorar o fato de que o comportamento do aluno também é gerado pela falta ou excesso de subjetividade. Saliento que, mesmo que negue a figuração, o professor, a professora representa subjetivamente o pai e a mãe, esta representação é um exercício inconsciente, pois os professores refletem a severidade, ou a insignificação, ou a invisibilidade mesmo quando estão presentes, tanto de um quando de outro progenitor, e a isso o aluno reage exibindo diferentes modos de comportamentos na sala de aula. Mesmo que essa simbologia pareça inexistente nos alunos, eles criam juízos de valores sobre aqueles que estão a sua frente, mesmo que de forma distorcida pela subjetividade que é particular, e isso se dá pela confusão dos papeis sociais que o professor exerce na percepção dos alunos.
Há tempos Paulo Freire apontou em seu livro, Pedagogia da Autonomia, a proposição de que o pior juízo que os alunos fazem é o da ausência, ou seja, aquele que considera o professor, a professora ausente na sala, e acrescenta:
 
Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu engajamento na peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para o exercício de seus deveres. O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico. (p.73)
 
Concomitante a todos os problemas até aqui apontados, existe outro no que se refere à escola, para esclarecer um pouco mais sobre como vejo a escola, esta demonstrar uma visão idealista do objeto a ser estudado, mesmo agora, tentando cativar os alunos pelas atualidades tecnológicas, na verdade, estão introduzindo mais um instrumento para manter o aluno na caverna proposta por Platão, sentados, imóveis e fixamente olhando para a parede para tomar por verdades absolutas as sombras (imagens) que lhes são mostradas.
A informatização, do modo como está sendo aplicada, fará um mergulho ainda mais profundo nessa caverna. Com isso, é bom que se tenha em mente a pergunta: será o uso das tecnologias de informação que dará maior significado entre conteúdo/cotidiano?
Creio que seja uma aposta muito mais dispendiosa e arriscada do que as importações de metodologias, sistemas etc. que o Brasil fez até este momento para o desenvolvimento do Processo Educacional e que não foi desenvolvida na sua plenitude por falta de condições estruturais. Portanto, não será um computador que fará com que o aluno se interesse mais pelas aulas, na verdade o que se percebe é a progressiva substituição do professor que, no julgamento dos gestores do Processo Educacional, não têm a competência para ensinar. Assim farão de todos nós, professores atuantes nas salas de aula, um tutor, ou mais diretamente, tomador de conta de crianças e jovens no espaço escolar.
O significado de um dado conteúdo no cotidiano se faz pela representação, pelo efetivo uso da teoria na prática vivenciada na realidade pelo sujeito. Muito mais quando essa contextualização tem por objetivo desenvolver competências e habilidades, e realizada pela mediação do professor em constante diálogo com os alunos. Assim teremos o conteúdo ligado ao dia a dia, contextualizados através de situações problema extraído do cotidiano.
Entretanto, quando se pretende o desenvolvimento de competências e habilidades, conforme preconiza os documentos emitidos pelo Ministério da Educação, não se pode querer essa contextualização com base em situações problema pré-determinados em livros didáticos, ou apostilas. Para que um dado conteúdo seja desenvolvido de forma eficaz a fim de incentivar o aluno aos estudos, este deve estar intimamente ligado ao seu cotidiano.
Há algum tempo foi realizada reuniões para coletar opiniões dos professores de São Paulo, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, quanto a melhor adequação da matriz curricular no Ensino Médio. Um documento, no qual muitas possibilidades de escolha poderiam ser dadas aos alunos, foi de imediato rechaçado quase que pela totalidade dos professores. Além destes, também pela imprensa rechaçou, pois se vê nas aulas de Língua Portuguesa e de Matemática o suprassumo do Processo Educacional, e pelas propostas de matriz curricular, em alguns casos, elas seriam diminuídas e, portanto, para a elite, este modelo estaria totalmente fora de cogitação. Na reunião por polos, na fala do Prof Palma – que comungou com o meu pensamento –, ele disse: “não é só na aula de Língua Portuguesa que se aprende português e nem só na aula de matemática que se aprende matemática”.
Ora, desde que conheço o processo educacional brasileiro, antes como aluno e hoje como professor, o maior número de aulas sempre foram desses dois componentes em detrimento aos outros e nem por isso o Brasil se destaca na qualidade da educação em que avaliam exatamente esses dois componentes. Presume-se, portanto, não é a quantidade das aulas de um dado componente curricular que fará com que se torne melhor investimento no Processo Educacional, mas sim pela ampliação de significados que o conteúdo estudado provoca no aluno, ou seja, na melhor adequação conteúdo/competências e habilidades, sendo que isso, para muitos professores, ainda é um problema, porque, para a maioria, a apreensão de um dado conteúdo é indispensável, e com isso, voltamos no problema da avaliação. Para estes, como antigamente, o conteúdo é primordial e, deste modo, o estudo estará voltado para a realização de exames, estabelecendo a progressão pela nota e não pela potência de desenvolver a construção do conhecimento. A norma, com base nisso, ainda é o interesse do aluno, ou seja, este é o culpado pela não aprendizagem uma vez que não demonstra interesse pela apreensão dos conteúdos.
Como frisei até aqui, o desinteresse é um sintoma e não a causa do fracasso escolar. E a causa da falta de interesse está ligada ao fato de o aluno não perceber relação entre o que é estudado e sua vida cotidiana, presente ou futura. E, por não fazer sentido, não ter significado, o estudar torna-se desestimulante.
 Com base nas conversas que tive com alunos que estão cursando escolas técnicas, percebi que nessas o comportamento é outro e, por isso, se constrói uma história contrária daquela do ensino regular. Nessas escolas existem regras bem definidas, bem como na escola regular, tanto no que diz respeito à convivência entre os alunos, como na relação destes com os professores. Entretanto, a semelhança para neste ponto, pois o que é estudado tem relação direta com a escolha profissional do aluno (significante), ou seja, está voltada a seu futuro no presente sedimentando assim a vontade de estudar (estímulo). Por conseguinte, essa vontade do aluno está alinhada à vontade do professor, que é a de formar profissionais como ele fora nas indústrias em que trabalhou. Assim, nessas escolas a conjugação conjunta dos verbos não é notada, uma vez que a grande maioria dos professores educa sem saber que está educando enquanto ensina. Neste caso, o professor demonstra atitude de chão de fábrica, ou seja, exemplifica enquanto ministra suas aulas um comportamento tal qual ele próprio viveu ou continua vivendo na fábrica e o educar/ensinar se unem em uma só ação. A figuração professor/pai e passa a ser, professor/chefe, professor/empregador.
Esta percepção das realidades escolares não está distante daquelas apontadas pelos pesquisadores da educação, entre eles Maurice Tardif, na obra “Saberes Docentes & Formação Profissional”, quando escreve que:
 
Entretanto, é evidente também que os comportamentos e a consciência do professor possuem várias limitações e que, por conseguinte, seu próprio saber é limitado. Como qualquer outro ator humano, o professor sabe o que faz até um certo ponto, mas não é necessariamente consciente de tudo o que faz no momento em que o faz. Além disso, também nem sempre sabe necessariamente por que age de determinada maneira. Por fim, suas próprias ações têm muitas vezes consequências imprevistas, não-intencionais, cuja existência ele ignora. (p.211)
 
Portanto, não se pode perder de vista, para melhor entender o que aqui está escrito, o que diz respeito ao triângulo interativo, salientado também por César Coll (2003) que consolida o esquema construtivista imposto no Processo Educacional e que deve estar presente na prática da sala de aula, embutido no Processo de Ensino-Aprendizagem, e que se compõe pela atividade mental no aluno (que na teoria de Piaget está esquematizada por tempos psicomotores que não tem a idade como limites estanques), pela ação de educar e de ensinar do professor e os conteúdos escolares propriamente ditos.
Porém, pouco se investe, de fato, no Processo Educacional, mesmo quando se aprova o aporte de 10% do PIB nacional destinados para a educação, pois, se não for destinada verba a uma verdadeira transformação do Processo Educacional voltada para o Processo Ensino-aprendizagem, e falo sobre a estruturação tanto do modo quanto do espaço dessa prática, nada será melhor do que já está.
A seguir, apresento essa estruturação ao mesmo tempo em que faço propostas de mudanças.
 
Críticas, comentário e sugestões, por favor, envie para prof.silveira.filosofia@gmail.com, obrigado.