A Escola como Espaço Simbólico

15/06/2014 16:18

Essas diferentes dimensões da condição juvenil são influenciadas pelo espaço onde são construídas, que passa a ter sentidos próprios, transformando-se em lugar, o espaço do fluir da vida, do vivido, sendo o suporte e a mediação das relações sociais, investido de sentido próprios, além de ser a ancoragem da memória, tanto individual quanto coletiva. Os jovens tendem a transformar os espaços físicos em espaços sociais, pela produção de estruturas particulares de significados.

Juarez Dayrell

 

O governo brasileiro, através do Ministério da Educação, vem adotando algumas mudanças no processo educacional, e entre elas se destaca a imposição do ensino fundamental de nove anos, além é claro, de existirem algumas mudanças também para o ensino médio. Mas essas mudanças ainda não saíram totalmente do papel para a prática, e estão engatinhando, a não ser um pequeno esforço, hoje visto inclusive em São Paulo, na implantação da escola de Ensino Médio de Tempo Integral e outras medidas que visam a aliar o ensino regular ao técnico, também adotadas pelo Estado de São Paulo. Também existe a mudança do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) com propósito prático, ou seja, determinar um currículo básico para esse segmento de ensino.
Mas essas ações, pela estrutura da escola no Brasil, seriam o mesmo que tentar aumentar a velocidade de um veículo, aumentando as marcações na escala do velocímetro.
Pelo aporte de recursos que estão sendo direcionados para a educação, a partir deste ano, seria possível resolver um problema sério do sistema educacional, o espaço físico e isso seria o início de uma transformação geral no processo educacional. Pois, sem mudar a estrutura esse processo não muda e continuará a não ter um sentido que leve a uma melhor prática.
Muito embora possa ser considerada uma discrepância ou mesmo um absurdo o fato de apontar dentro do sistema educacional em dois processos para distinguir o educacional, mais amplo e que agrega várias ações, e o do ensino-aprendizagem, específico e que ocorre mais estritamente dentro da sala de aula. Porém, ambos têm um conjunto de fazeres, e é claro que se confundem.
Com essa delimitação eu quero especificar um conjunto de ações, distintos, dependentes e que se completam de tal forma que seja possível, pela aplicação, criar condições para se resolver diversos problemas ligados à qualidade da educação. Caso de não se fazer essa delimitação, toda culpa, quanto à qualidade da educação, sobrecai no professor e este aponta para o aluno.
No Brasil, pelo fato de a União abrir mão do comando da Educação Básica, por Lei delegou a responsabilidade para os Estados, e foi dado o nome de Sistema de Educação, ou seja, cada Estado é um Sistema que deve operar segundo a normatização do Ministério da Educação (MEC). Por sua vez, esse sistema é subdividido, no que diz respeito a responsabilidade de aplicação, entre em cena os Municípios que são responsáveis pelo Ensino Infantil, mas também, por força de Lei estadual, celebram parceria com o Estado e assumem também o Ensino Fundamental no seguimento de anos iniciais, e essa responsabilidade pode ser estendida quando o Município também assume o seguimento de anos finais, sobrando para o Estado, nesses Municípios, apenas o Ensino Médio. O suporte dado a esses Municípios, na maioria dos casos, é a destinação de verbas específicas para esse fim, tanto estaduais como federais, em outros, existe também uma parceria entre Estado e Município no que tange a qualificação de professores e materiais de apoio. Fica de responsabilidade da União, para todos os casos, o envio de Livros Didáticos. É a partir deste ponto que se estabelece o Processo Educacional, propriamente dito.
Quando me refiro ao processo educacional, quero delimitar o fazer escola, as ações estabelecidas pelo Sistema de Educação, ou seja, pelas Secretarias da Educação dos Estados e também, dos Municípios.
Desta forma, o Processo Educacional é estabelecido a partir de uma política de implantação, diretamente construída pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Ensino, esta política tem a marca dos governantes, com efeito, da sua proposta de governo, da sua ideologia, do seu interesse e da sua visão de sociedade.
No Processo Educacional está contidos todos os materiais de apoio didático-pedagógico, das edificações escolares, equipamentos, estruturação do sistema, formação continuada de Dirigentes, Supervisores, Coordenadores de Núcleo Pedagógico, Gestores, Coordenadores Escolares e professores. Também inserido no Processo Educacional está o processo ensino-aprendizagem.
Este processo está em contato direto com o aluno e é, de fato, o fazer escola, individual, autônoma no que se refere à gestão e aplicação de recursos. Este tem como responsável a equipe de Gestão que administrará, com base nas Políticas Educacionais, construto do Processo Educacional, a gerência da Unidade Escolar.
Hoje se discute a questão de um currículo comum a todas as escolas que fazem parte de um determinado Processo Educacional. Os argumentos utilizados apontam para a perda de autonomia, entretanto, esta, no que se refere a uma rede de ensino, não está na execução de um currículo individualizado, mas sim nas formas, nos modos, como se processa a gestão escolar em cada Unidade de Ensino.
Para uma autonomia mais estrita, como querem aqueles que contestam o currículo comum, além da administração da verba, deveria estar a cargo da própria escola, da equipe gestora, e neste caso com a direção eleita pela comunidade que abriga a escola, a escolha de seus professores para que estes planejassem o currículo com base nos documentos oficiais do Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica. Isso, infelizmente, é coisa que não acontece e que duvido que um dia vá acontecer. Porém, os professores são, no Estado de São Paulo, cobrados como se isso existisse de fato.
Cabe a equipe de gestão escolar, gerência o fazer escola mais especificamente, compondo o processo ensino-aprendizagem. Que além de gerir o administrativo, deve gerir o pedagógico, coisa que muitos gestores não se dão ao trabalho, delegando a função totalmente ao Coordenador Pedagógico que age livremente, apenas mantendo informado o gestor. Mas o que é necessário para um bom ensino?
Aqui seria possível enumerar inúmeros aspectos, mas entre eles estão o espaço físico, a gestão do currículo, a disponibilidade de materiais didáticos, os equipamentos, a merenda, o atendimento de pais e alunos fora e dentro da sala de aula, planejamento pedagógico, ou seja, tudo o que está diretamente ao ensino e aprendizagem.
Aqui cabe uma crítica ao modo de fazer educação no Brasil, pois, pelo oportunismo político, a política da educação se transformou em política na educação, de tal modo que a responsabilidade pela aplicação do Processo Educacional foi subdividida e assim, o infantil fica a cargo das prefeituras, bem como o fundamental no seguimento de anos iniciais e em alguns municípios abarcaram o segmento dos anos finais, sobrando para o Estado apenas o Ensino Médio, e para a União, apenas apontamentos e delimitações.
Vejamos como está estruturado o Ensino Fundamental de nove anos na educação proposta pelo Estado de São Paulo:
  • Do 1º ao 3º ano – ciclo I
  • Do 4º ao 6º ano – ciclo II
  • Do 7º ao 9º ano – ciclo III
E a cada mudança de ciclo a possibilidade de retenção. E deixo claro que essa mudança tem a intenção de estimular pela punição.
Outro fato do qual eu não compartilho, mesmo sendo endossada pela maioria dos teóricos da educação, é a entrada de crianças com cinco anos no Ensino Fundamental, vejo isso como uma política inconsequente, pois o objetivo disso não é melhorar a alfabetização de nossas crianças, mas sim reduzir o infantil para duas fases, minimizando a demanda por vagas nesse seguimento. Assim, a terceira já se ministrada em outro prédio, outra configuração de sala, outra metodologia e isso ceifa da criança um ano de pleno desenvolvimento psicomotor, bem trabalhado pela metodologia aplicada apenas nas escolas infantis.
 No fundamental de anos iniciais, tudo muda na percepção da criança, a estrutura da escola é outra, a metodologia é outra, e não causa apenas uma ruptura necessária ao seu entendimento de evolução, coisa que ainda está desenvolvendo na criança com cinco anos, apenas causa um trauma no pleno bem estar da criança.
Essa mudança não é pelo simples fato de que a criança, nesta idade, já tenha condição de ser alfabetizada, mas sim, para promover espaços para outras crianças que estão entrando no infantil. Saindo do infantil, essas crianças dão espaço para outras que estão na creche ou maternal. Com isso, na tentativa de economizar o dinheiro público, justifica o prejuízo no pleno desenvolvimento da criança, e nós, nos calamos diante desse crime. Na verdade, essa mudança é uma forma de ampliar a oferta de vagas no infantil sem ter que gastar dinheiro com a construção de outras unidades de ensino que dê conta do crescimento populacional.
Essa ruptura até poderia acontecer de modo benéfico, caso os espaços fossem mais definidos, por exemplo, hoje o segmento de anos iniciais, responsabilidade do município, agrega crianças de cinco a nove anos num mesmo espaço físico, muito embora em salas separadas pelas idades, quando não estão fora delas à interação se amplia, e existe a tendência de os pequenos imitarem os mais velhos.
O que deveria ser feito neste caso, seria a divisão do espaço escolar, ou seja, das unidades de ensino por ciclos, para que as idades ficassem mais restritas nesse espaço, ampliando com isso a condição de melhor desenvolvimento da criança no todo educacional.
Portanto, cada ciclo deveria estar em escolas diferentes, com professores especializados nesses ciclos, com isso, separaria também o Ensino Médio do Fundamental de anos finais que, em município este último não é municipalizado.
Outro equívoco dessa nova divisão em três ciclos, é que na maioria dos Municípios que não optaram pela municipalização integral do Ensino Fundamental ficou complicada, pois, no ciclo II estarão alunos cursando os dois últimos anos do segmento dos anos iniciais que é de responsabilidade do Município e um ano no segmento do Ensino Fundamental anos finais, que por sua vez é de responsabilidade do Estado. E não é só essa mudança que acontece, pois, nos anos iniciais os alunos são assistidos por um professor, chamados de polivalente, e a partir do sexto ano, serão atendidos por professores especializados, divididos por componentes curriculares.
Com isso cabe a pergunta: como se dará a recuperação desses alunos?
De fato, não há aluno que consiga suportar toda essa movimentação sem que inconscientemente seja desmotivado. Pois, se os espaços são importantes para delimitação de ações e, portanto, atitudes, a clara distinção entre uma etapa e outra do processo educacional, também.
Aqui eu trato o espaço escolar como espaços simbólicos, no qual se é construída a atitude e, por certo, o entendimento sobre a vida em sociedade, pois, um longo tempo de suas vidas, momento crucial de sua hominização, elas passam na convivência entre si no espaço escolar.
Aquilo que deveria ser um rito de passagem, ou seja, a mudança de um ciclo para outro, tornou-se um cabo de guerra entre o Processo ensino-aprendizagem e o Processo Educacional, pois, para a criança, não existe essa simbologia ainda.
De fato, será que a criança de sete anos entende que se não estudar ela será retina no mesmo ano em que está, ou apenas perceberá isso já estando em companhia de outra turma enquanto a sua antiga turma está em outra classe?
Parece que o psicologismo educacional não se deu conta disso ao aprovarem a introdução das crianças com cinco anos no Ensino Fundamental, seguimento dos anos iniciais. Só terá sentido o ciclo, não divido em três, mas em quatro, quando estes forem definidos por espaços diferentes.
 A divisão em quatro ciclos se dá da seguinte forma:
  • Do 1º e 2º ano – ciclo I
  • Do 3º ao 5º ano – ciclo II
  • Do 6º e 7º ano – ciclo III
  • Do 8º e 9º ano – ciclo IV
Mas esta divisão em quatro ciclos não diz respeito à retenção, mas sim a mudança de espaço físico, ou seja, cada ciclo em uma escola diferente, com professores especializados em cada ciclo a fim de promover um melhor atendimento.
Outro ponto importante dessa condição é o fato de que os alunos estarão com idades mais próximas, podendo interagir com mais liberdade entre si fora das salas de aula. As escolas com base nos ciclos serão menores, portanto, mais fáceis de serem geridas, mesmo que se consiga aumentar o número de classes para diminuir a quantidade de alunos em cada classe. Com isso o cuidado com as crianças seria mais preciso, nas classes e fora delas, os problemas mais rapidamente equacionados, o material melhor distribuído, a gestão mais bem cuidada. Com efeito, o processo ensino-aprendizagem seria maximizado.
Essa condição fará que também o Ensino Médio seja trabalhado em unidades mantidas exclusivamente para essa etapa da Educação Básica, voltadas também um melhor atendimento aos alunos com salas ambientes, além de abrir espaço para os laboratórios, com professores mais centrados nessa faixa etária, diferenciando, com isso, o seu próprio comportamento e gerando, nos alunos, um significado distinto daquele que foi construído e nutrido até aquele momento.
Deste modo, com esse novo modo de gerir o processo educacional, trará de volta a ruptura entre o Ensino Fundamental e o Médio, metodologicamente distinto, mas que não é perceptível, para muitos professores e quase a totalidade dos alunos. Esta falta de distinção é sacramentada pela condição de sua oferta, ainda acrescento que esta percepção comum a todos que fazem parte do processo educacional foi gerada pela obrigatoriedade da permanência na escola até os dezoito anos de idade imposta pela Lei, ou seja, um ato contínuo encerrando o Ensino Básico. Por fim, isso possibilitará, tanto aos alunos como aos professores, um novo significado, um novo fazer escola, bem distinto daquele que se pratica hoje.
Cada ciclo, ou seja, cada escola terá uma finalidade específica, pois o primeiro dará ênfase para a alfabetização e introdução ao mundo da matemática e geometria, já o segundo fará a ligação entre o ler e escrever e o desenvolvimento das competências e habilidades voltadas para as operações matemática e a geometria dos sólidos, bem como a alfabetização dos componentes das humanidades. Já o terceiro será o de alfabetização científica e o aprofundamento das competências e habilidades leitoras, escritora e também matemáticas e geométricas, e a ampliação das áreas de humanidades. O quarto fará a junção daquilo que se desenvolveu até o terceiro. No Ensino Médio mais que aprofundar os estudos, todas as competências e habilidades previstas para essa etapa da educação básica, colocará o aluno em uma nova dimensão de mundo, o mundo das escolhas, das descobertas científicas, do fazer ciência, desenvolver a percepção de mundo, de realidade, planejar e construir o seu futuro. Lembro que nesta última etapa, os alunos, para que consigam atingir os objetivos propostos, deverão ter desenvolvidas todas as competências e habilidades previstas para os segmentos anteriores. Assim, o primeiro ano é o tempo da recuperação para um sempre avançar.
Outro fato completamente ignorado nesta etapa da educação básica, tanto pelos professores como pelos alunos, é o que diz respeito à simbologia do Ensino Médio.
Estes três anos de estudos deveria ser a celebração, ou seja, o rito de passagem da criança que deixou o Ensino Fundamental, para o adulto (juridicamente) que se formará no final da terceira série do Ensino Médio. Esta condição subjetiva deveria ser mais bem trabalhada e a falta dessa percepção é imposta pela configuração do Ensino Básico. Lembro que, imediatamente após a conclusão do Ensino Médio, o aluno, já adulto juridicamente, adentrará mais efetivamente no mercado de trabalho, até por força do hábito social existente no Brasil, para gerar sua própria renda, ou tentará, com ou sem essa renda, cursar uma universidade na busca de uma melhor colocação nesse mesmo mercado.
Entretanto, o que cai no esquecimento, é que este momento é muito difícil para os jovens, pois é o de aceitação de si, do seu meio, tempo de fazer escolhas, de pensar mais efetivamente na existência, no futuro, ou seja, se encontrar.
Na verdade o desinteresse a que muitos professores fazem referência não vem do momento em que estão, mas de sucessivos momentos que não geram significado para o aluno. Essa condição, como disse nas páginas que se passaram, não é só do aluno, mas também do professor. Este, por obrigação de ofício, manifesta seu descontentamento, sua falta de interesse de outras formas, como por exemplo, ministrar suas aulas através de alguns poucos escritos na lousa, fazendo dos alunos verdadeiros copitas, e algumas poucas explicações para, em seguida, apenas se sentar e esperar os alunos terminar a cópia para dar visto e essa condição não é determinada pela fase, e perpassa todo o Ensino Básico. Não é difícil, hoje, ver atitudes como estas nas escolas públicas.
 
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